Em 12 de Maio de 2021 houve a publicação da Lei que trata do afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.
Não há discussões quanto ao que ao que a Lei estabeleceu, mas há muita grande discussão, quanto aos pontos de omissão, sendo certamente, o mais relevante , o ônus de quem paga a conta, nos casos em que as empregadas gestantes não poderão exercer as suas atividades fora do ambiente do trabalho, bem como não há possibilidade de transferência de função, pois ainda assim haverá o seu afastamento com a remuneração garantida.
O texto da Lei não deixa dúvidas quanto a responsabilidade do empregador em empregador manter a remuneração da gestante
Todavia, ao atribuir o ônus da remuneração destas empregadas ao empregador o Estado deixa de observar as normas mais primarias de proteção a mulher e a maternidade, tendo em vista que, mesmo sem a intenção, o mercado de trabalho pode responder reduzindo as contratações de mulheres face ao risco de uma gestação durante o contrato de trabalho para determinados segmentos, se tendo assim criado uma norma discriminatória.
Urge ainda destacar que a medida se impõem de forma ainda mais devastadora e discriminatória no que tange as trabalhadoras temporária, cujos contratos foram tabulados nos moldes da Lei 6019/74, cuja modalidade é de extrema importância para o fomento do mercado de trabalho e economia, em especial, em meio à pandemia da covid-19, posto que tal modalidade de contratação impulsionou o mercado de trabalho em 2020 e também no primeiro trimestre de 2021, dados publicados com base nas informações prestadas pela Associação Brasileira de Trabalho Temporário (Asserttem), dão conta que foram realizadas, por intermédio desta modalidade, mais de 2 milhões de admissões em 2020, com aumento de 34,8 % em relação a 2019¹, haja vista que se tornou uma mercado face a pouca previsibilidade e crise sanitária.
Já que embora, seja uma modalidade de sua importância para a economia do pais, novamente, esta modalidade de contratação teve suas peculiaridades totalmente desconsideradas, já que a Lei 14.151/2021, não difere qualquer modalidade de contrato, gerando mais estabilidade as partes envolvidas nesta relação triangular, causando um impacto direto as trabalhadoras temporárias, haja vista que embora permaneça a necessidade extraordinária que ensejou a sua contratação, fato é que está terá seu contrato de trabalho extinto antecipadamente pela sua condição de gestante.
E nem há que se dizer que a intermediadora de mão de obra e tomador estão realizando dispensa discriminatória, haja vista que nesta modalidade de contratação a necessidade é imediata, não havendo como as empresas manterem as trabalhadoras gestantes até o final do contrato de trabalho sem a contra prestação da execução das atividades, pois como inicialmente dito a contratação se origina por uma demanda extraordinária e pontual.
Urge ainda salientar, que tal entendimento corrobora com o fato de já ter o C. TST pacificado por intermédio do seu Pleno que para está espécie de contratação não se aplicar o inciso III do verbete 244 da Súmula do Tribunal, ou seja, a trabalhadora temporária não detém estabilidade gestacional nos termos do artigo 10 da ADCT.
Sendo assim, a Lei em comento embora traga o intuito de proteção, opera em sentido contrário, haja vista que corrobora ainda mais com a discriminação da mulher no mercado de trabalho.
Tal situação seria totalmente diferente caso o Estado tivesse agido conciliando a Lei com políticas sociais e econômicas que minimizassem o impacto deste cenário. Já que é dever do estado arcar com tal ônus não devendo este transferir o seu encargo econômico e social aos empregados, vejamos:
Nos termos do que dispõem Convenção n. 103 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, é ônus do Estado arcar com o encargo já que dispõem o item 8.: Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega.
A Convenção n. 103 da OIT foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 20, de 1965, posteriormente revogado pelo Decreto nº 10.088/2019 que consolidou os atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. O Decreto nº 10.088/2019, por sua vez reproduziu integralmente a Convenção n. 103 da OIT em seu Anexo XXIV, dispondo no art. 3º que as Convenções anexas ao Decreto serão executadas e cumpridas integralmente em seus termos.
Ademais a Resolução n.º 34/180 da Assembleia das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 1979. Aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 93, de 14.11.1983. Ratificada pelo Brasil em 1º de fevereiro de 1984 (com reservas). Promulgada pelo Decreto n.º 89.406, de 20.3.1984, determina, expressamente, que incumbe ao Estado adotar todas as medidas políticas, cultural, legislativas e econômicas, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem, bem como proteger a maternidade.
Sendo assim, se faz necessário colacionar na integra os artigos 11 e 12 da referida Resolução:
Artigo 11
§ 1.Os Estados Membros adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular:
a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano.
b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego.
c) O direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico.
d) O direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho.
e) O direito à seguridade social, em particular em casos de aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade para trabalhar, bem como o direito a férias pagas.
f) O direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.
§ 2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados Membros tomarão as medidas adequadas para:
a) Proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou de licença maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil.
b) Implantar a licença-maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais.
c) Estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante o fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinada ao cuidado das crianças.
d) Dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas.
§ 3. A legislação protetora relacionada com as questões compreendidas neste artigo será examinada periodicamente à luz dos conhecimentos científicos e tecnológicos e será revista, derrogada ou ampliada, conforme as necessidades.
Artigo 12
§ 1. Os Estados Membros adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive referentes ao planejamento familiar.
§ 2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, os Estados Membros garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactação.
Pelo exposto, certo que é dever do Estado ampliar, conforme a necessidade do momento, como é o caso em tela, haja vista o Estado de Emergência de Saúde Pública que vivemos a Licença Maternidade como forma de proteção a discriminação da mulher no ambiente de trabalho, bem como como proteção e saúde e maternidade.
Ademais, no caso em tela não é possível se quer a discussão de que este ônus comporia o risco empresarial, pois a questão transcende a atividade exercida por qualquer empregador e os riscos decorrentes do seu exercício.
Ainda se faz salutar mencionar que o empregador desde o início da pandemia já vem assumindo o ônus da ineficiência do Estado em gerir a crise, seja custeando os afastamentos em decorrência da COVID ou mesmo contato, bem como os custos para o exercício das atividades neste novo cenário, isto sem falar no impedimento do exercício de inúmeras atividades, dentre outras despesas que foram simplesmente sendo transferidas ao empregador, isto sem mencionar o possível passivo trabalhista das medidas de urgência adotadas que no futuro poderão ser discutidas no judiciário, haja vista a morosidade e falta de gestão da crise em que vivemos.
Sendo assim, se faz necessário com urgência que sejam estudadas e viabilizadas medidas como a ampliação da licença maternidade e salário maternidade esta última custeada integralmente pelo Estado. Ademais, urge salientar que o o caso em tela não encontra óbice na necessidade de fonte de custeio (artigo 195, §5º, da CRFB/88), pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença à adotante, a título de exemplo, como se verifica no RE 778.889, Relator(a): ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/3/2016. De igual modo, o Ministro Edson Fachin, já decidiu que a ausência de fonte de custeio também não é óbice a demandas de assistência médico-farmacêutica e para a extensão da licença-maternidade e do salário-maternidade nos casos de alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no artigo 392, §2º, da CLT (ADI 6327, relator(a): Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 3/4/2020, publicação em 19/6/2020).
Ademais, novamente a título exemplificativo, se verifica que artigo 394-A, §3º, da CLT, que pode ser aplicado ao presente caso por analogia, que trata do afastamento da empregada gestante, sem prejuízo de sua remuneração, das atividades consideradas insalubres. Cujo o texto legal, menciona o § 3º do art. 394-A da CLT:
” § 3o Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Por fim, ainda nos valemos da análise da recente Portaria Conjunta n. 28 de 19 de Março de 2021 que comunica cumprimento de decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6.327, o Supremo Tribunal Federal – STF que determinou a prorrogação do benefício de Salário-Maternidade quando, em decorrência de complicações médicas relacionadas ao parto, houver necessidade de internação hospitalar da segurada e/ou do recém nascido.
Ora, nos parece legal, imperioso, necessário e plausível que ao teor declarado pela Lei 14.151/2021, haja com a máxima urgência medidas sociais e econômicas que viabilizem a extensão da licença maternidade para desincumbir o empregador do ônus de manter afastada das atividades aquelas profissionais que por estarem gestante não puderem desenvolver a sua atividade ou outra atividade compatível a distância.
Sendo certo, que tal benefício deve ser estendido a trabalhadora gestante pelo período do contrato de trabalho temporário firmado até a extinção do mesmo.
Deixar de observar de adotar tais medidas é o mesmo que andar de mãos dadas com o retrocesso social e econômico, cujos reflexos para as mulheres no ambiente de trabalho serão imensuráveis e ainda mais devastadores do que já são na luta diária por reconhecimento e igualdade no mercado de trabalho.
Silmara Lino Rodrigues